segunda-feira, 22 de novembro de 2010

G 20 Crise do Capitalismo

Por Joana Salém Vasconcelos, equipe da Secretaria de Relações Internacionais do PSOL

O G-20 é o grupo que reúne as maiores economias do mundo capitalista. Deste grupo fazem parte Brasil, Argentina, México, África do Sul, EUA, Canadá, China Japão, Coréia do Sul, Índia, Indonésia, Arábia Saudita, Turquia, União Européia, França, Alemanha, Itália, Reino Unido (Inglaterra, Irlanda, Escócia), Rússia e Austrália. Reuniram-se em Seul, capital da Coréia do Sul, no dia 12 de novembro na tentativa de encontrar um acordo para a disputa cambial e monetária desencadeada a partir da crise de 2008. Aparentemente, esse encontro de cúpula não gerou nenhuma definição importante e apenas revelou que China, Alemanha e EUA precisam de mais rodadas de negociação para sair do impasse.

Qual é o impasse? Em resumo, os EUA estão beirando a recessão: com baixa atividade econômica, poucos compradores internos e externos, e muita especulação financeira. O descompasso entre muita atividade especulativa e pouca atividade produtiva foi uma das causas gerais da crise econômica iniciada em 2008. Para reverter em curto prazo esta situação, o Federal Reserve (Banco Central norte-americano, controlado por grupos privados e apelidado de Fed), resolveu injetar 600 bilhões de dólares na economia. E daí?

Essa quantidade de dólares a mais na economia diminui o valor do dólar e aumenta relativamente o valor das outras moedas (como está ocorrendo com o Real, por exemplo). Para os brasileiros de classe média e classe baixa isso parece muito bom para o consumo: comprar produtos importados, viajar de avião, comprar mercadorias antes inacessíveis, etc. Num sentido imediato, esta é a sensação de uma moeda forte. Então, há duas ressalvas iniciais. Primeiro: essa sensação é falsa, porque a valorização do Real é artificial. Não passa da exportação da alta atividade especulativa dos EUA para o Brasil, gerando a possibilidade de crise financeira no Brasil. Segundo, ela pode ser ruim para a economia nacional porque as mercadorias dos EUA ficam muito baratas e “invadem” o mercado brasileiro, gerando uma dependência maior dos EUA. E as mercadorias brasileiras ficam caras e não vendem tanto. Por isso, os EUA estão exportando a crise econômica capitalista por meio do que ficou conhecido como “guerra cambial” (uma guerra que envolve os valores das moedas e a competitividade delas nos mercados mundiais).

Essa injeção de dólares afeta muitos outros países. A China, um peculiar capitalismo de Estado, se protege, com suas milenares muralhas, da queda artificial do dólar. A cada centavo que o dólar cai, eles fazem cair o Yuan (moeda chinesa), num espelhamento que irrita os EUA e esteriliza sua política monetária.

O que importa tudo isso? Que há um esgotamento do modelo capitalista mundial, e nem sequer os supostamente experts da política econômica conseguem resolver. Essa atitude dos EUA, que gera tanta discórdia, é fruto da crise econômica mundial, dos desmoronamentos financeiros de bancos, da transferência de gigantescos recursos públicos para os buracos cavados pelo setor privado, do livre-cambismo como princípio abestalhado de vida, da irracionalidade inerente do modo de produção capitalista. Sendo assim, pode-se perguntar: afinal, como foi que se chegou a esta condição?

O poder do dólar: o que são os padrões monetários mundiais?

Afinal, de onde veio este enorme poder da moeda estadunidense? Antigamente, o sistema econômico mundial se lastreava no padrão-ouro. Todas as moedas deveriam corresponder a uma quantidade de ouro realmente existente. Depois da II Guerra Mundial, em 1944, o padrão-ouro perdeu funcionalidade para o capitalismo. As economias européias estavam destruídas e os EUA viram um bom momento para avançar sobre o controle monetário mundial, congelando os desequilíbrios geopolíticos num novo regime financeiro. O novo regime foi batizado de Bretton Woods.

O Bretton Woods é o padrão “ouro-dólar”. O dólar passou a ser oficialmente a moeda que baseava os valores das outras moedas, ou seja, um padrão monetário internacional. Todas as moedas poderiam se fortalecer ou enfraquecer sempre em função do dólar, e esse dólar estaria supostamente lastreado em ouro realmente existente. Com isso, os EUA passaram a controlar o valor das moedas e a quantidade de moedas em circulação, mas com o limite físico da existência do lastro em ouro. Foi em 1944 que surgiu o FMI e o Banco Mundial (nesta época, chamado BIRD – banco internacional de reconstrução e desenvolvimento), como organismos de dominação imperialista que induzem os endividamentos dos Estados Nacionais.

O Bretton Woods entrou em colapso em 1971. Desde então, surgiu um novo padrão ainda mais unilateral: o “padrão dólar”. O “padrão dólar” eliminou a necessidade de lastrear as moedas em ouro, e transformou o dólar num valor universal para determinar as riquezas nacionais. Assim, todos os países passaram a depender plenamente do bom funcionamento da economia dos EUA. O Consenso de Washington de 1989, que formulou as diretrizes do neoliberalismo, estava inteiramente baseado no “padrão dólar” e no poder de interferência dos EUA em todas as economias, a partir de sua moeda. O “padrão dólar” se tornou um mecanismo totalitário de domínio econômico, que se desdobra em domínio de todas as esferas da vida nos países da periferia do capitalismo. O rebaixamento de salários, o estrangulamento dos direitos trabalhistas e previdenciários, as privatizações, o desmonte dos sistemas públicos de saúde, educação e transportes, todas estas políticas presentes com plena vitalidade de 1990 até hoje fazem parte do jogo de interesses do “padrão dólar”.

Os EUA, através do “padrão dólar” criaram o mundo à sua imagem e semelhança: consumismo, miséria, espetáculo, racismo, especulação financeira, violação dos direitos humanos, reality shows, filas nos hospitais. Mas agora não podem mais sustentar o que foi criado e “pedem água”. A proposta por eles apresentada na reunião do G-20 é o oposto dos preceitos básicos do Consenso de Washington. Propuseram uma radical regulamentação dos mercados, limitando oficialmente os déficits ou superávits das contas nacionais a 4% do PIB de cada país.

Os EUA são os donos da máquina de imprimir dinheiro, mas…

O que fazer? Eles são os donos da máquina de imprimir dinheiro, mas não contavam com a capitalização feroz da China, com a potência de ferro da economia alemã, com a emergência das economias do Brasil, África do Sul e Índia. Os próprios EUA, portanto, chegaram ao ponto de propor uma regulamentação, pois estão perdendo a concorrência mundial. Eles não perdem a concorrência mundial desde 1944. Mas como tudo na história tem um fim, com exceção da luta de classes, a hegemonia norte-americana também está dando sinais de desgastes profundos.

É um papel ridículo ao que se prestam os EUA. De defensores principistas do livre mercado há mais de 50 anos, foram a Seul com rubores nas faces, olhar cabisbaixo, dizendo algo como ‘parece que estávamos errados, melhor mesmo seria criar algumas regras para o mercado mundial’. O jogo virou. E ironias a parte, o vice-chanceler da China declarou que “a imposição artificial de uma meta numérica só nos lembra da era das economias planificadas” (Carta Capital, ano XVI, n° 622), com o que os representantes da Alemanha concordaram enfaticamente. Espetáculo do contrário!

Os EUA querem regular a economia porque encabeçam o ranking de devedores mundiais, e podem até mesmo não conseguir pagar as suas dívidas adquiridas após a crise de 2008. Estão pagando o preço da irresponsabilidade orgânica de Wall Street: o pagamento das faturas dos grandes bancos com erário público, a injeção exagerada de dólares no mercado, a guerra do Afeganistão, entre outras políticas tipicamente imperialistas. Além disso, eles possuem sucessivos déficits nas contas nacionais, ao contrário de China e Alemanha, que são superavitárias (tem saldos positivos nas contas nacionais). A limitação de 4% para saldos positivos ou negativos nas contas nacionais do G-20 é nada mais nada menos que uma política de salvar a pátria norte-americana com custos comerciais distribuídos mundialmente. Isso significaria estrangular as políticas sociais de todos os países dispostos a fechar seu balanço comercial de acordo com as vontades do império. Os EUA ouviram um constrangedor “Não!” de todos, sem exceção, todos os países do G-20.

Infelizmente, nesse caso todos os lados da disputa são indignamente apaixonados pelos seus próprios interesses empresariais. E todos já se esqueceram da Declaração Universal de Direitos Humanos, apesar de a terem outrora assinado.

http://internacionalpsol.wordpress.com/2010/11/21/g-20-o-beco-sem-saida-do-dolar/

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